terça-feira, 24 de outubro de 2006

XI Poema in : "POEMAS MALDITOS,GOZOSOS E DEVOTOS"

HILDA HILST
>*<
Poema
XI
Sobem-me as águas. Sobem-me as fúrias.
Fartas me sobem dor e palavras.
De vidro, nozes, de vinhas, me sobem dores
tão tardas, tão carecentes.
>*<
Por que te fazes antigo, se nunca te demoraste
na terra que preparei, nem nas calçadas
da casa? Me vês e me pensas caça?
Ai, não. Não me pensas. Eu sim, nas noites.
>*<
Que caminhadas. Que sangramento de passos.
Que cegueira pretendendo
seguir teu próprio cansaço. Olha-me a mim.
Antes que eu morra de águas, aguada do que inventei.
-*-*-*-
IMAGEM:
"Eu estou aqui"
de HELENA ALMEIDA
para a exposição "Intus" na
Fundação Gulbenkain - 2005
reportagem no sítio do jornaldigital

terça-feira, 10 de outubro de 2006

AINDA...






Ainda que nada
se faça pronunciado
como se longas
mãos
cálidas
pendessem
desmaiadas
pelas pontas
nas fronteiras
dos punhos do silêncio,
abelhas frias
ferroteiam
arrepios
sob a lã
à beira
de rubra lenha.

>*<

Na conjuntura
em que lua nova
e a derradeira
terça de junho
se olham,
despedem-se
do canteiro
a última folha
do tinhorão
machetada
de vermelho
os casais
de andorinhas
os aguaçeiros
o gasto ancinho
e um regador
de jorrar sonhos;
mesmo que ainda um
roer
se repita
no fundo
do plexo-solar
lá, no oco
da barriga
velha fisgada
se arda, monótona
tal fosse
vigente
um verão
nos trópicos.

>*<

Enferrujam-se
no tom cobre-rangente
do desuso
os gonzos do portão;
embora sempre ilumine
branqueie o degrau
desvende curva
e rachadura,
a luz acesa
ainda, aquela
no alto, na aléia
e sobre o mato
cobrindo o chão.


>*<

IMAGEM:
Foto de Dirk Vermeirre




LEMBRA DE MIM ¨¨¨¨ Letra: Vitor Martins ¨ Música: Ivan Lins ¨ Cantam: Nana e Dori Caymmi



"A vida não é o que foi,
mas o que lembramos dela".
Gabriel Garcia Marquez

>*<

LEMBRA DE MIM

Lembra de mim

dos beijos que escrevi no muro

a giz

os mais bonitos continuam

por lá

documentando que alguém

foi feliz.

>*<

Lembra de mim

nós dois na rua provocando os casais

amando mais do que o amor é capaz

perto daqui, ah! tempos atrás

>*<

Lembra de mim

a gente sempre se casava ao luar

depois jogava os nossos corpos no mar

tão naufragados e exaustos de amar.

>*<

Lembra de mim

Se existe um pouco de prazer em sofrer

querer te ver talvez eu fosse capaz

perto daqui, ou tarde demais

>*<

Lembra de mim...

IMAGEM:

"Open prision"

foto de Dirk Vermeirre

no sítio pbase.com

domingo, 8 de outubro de 2006

Memórias de um jardim...


"The Snake Charmer"
de Henri Rousseau




Fada Lua
adornada
renda, gaze e cetim
faz de conta...
>*<
Sejam pérolas
cada flor e toda pétala
em botão
ou já aberta
da eugênia, ninféia, lantana...
Lua desenha
asas de anjo
querubins
infinitas liras poéticas
miúdos círios de promessa
no telheiro
na lembrança
na murada...
E veste um manto espelhado
com vidrilhos recoberto
na lagoa
na tristeza
no cimento...
Finda a tarde à sexta hora
na fosca solenidade
desse instante
flecha o assombro:
se alteia e assopra
acendendo, de repente
- feito letras num bilhete -
pirilâmpos
céus abaixo
sobre a terra
e, também, dentro dos olhos.
>*<
Deixamos que fosse assim.
>*<
Enganamo-nos.
Qual senha era, para quando
como e donde o ponto
em equívoco, reuniram-se.
Em meio às sombras das ramagens
sob lanternas delicadas
dormimos - desencontramo-nos -
em desconhecidos cantos
ocultos no coração
d'um jardim, belo e improvável.
NeyMaria Menezes
outono de 2006

sábado, 7 de outubro de 2006

Meio-Termo * Letra: Antonio Carlos F. de Brito/Cacaso Música: Lourenço Baeta Canta: Elis Regina


Ah! Como eu tenho me enganado
como tenho me matado
por ter demais confiado
nas evidências do amor
Como tenho andado certo
como tenho andado errado
por seu carinho inseguro
por meu caminho deserto
Como tenho me encontrado
como tenho descoberto
a sombra leve da morte
passando sempre por perto
e o sentimento mais breve
rola no ar e descreve
a eterna cicatriz
mais uma vez
mais de uma vez
quase que fui feliz
A barra do amor
é que ele é meio ermo
a barra da morte
é que ela não tem meio-termo.
no album "Transversal do Tempo"
Opção para ouvir:
IMAGEM:
Auto-retrato de Frida Kahlo

Aparição amorosa * Carlos Drummond de Andrade


Doce fantasma, porque me visitas
como em outros tempos nossos corpos se visitavam?
Tua transparência roça-me a pele, convida
a refazermos carícias impraticáveis: ninguém nunca
um beijo recebeu de rosto consumido.
Mas insistes, doçura. Ouço-te a voz,
mesma voz, mesmo timbre,
mesmas leves sílabas,
e aquele mesmo longo arquejo
em que te esvaías de prazer,
e nosso final descanso de camurça.
Então, convicto,
ouço teu nome, única parte de ti que não se dissolve
e continua existindo, puro som.
Aperto...o quê? A massa de ar em que te converteste
e beijo, beijo intensamente o nada.
Amado ser destruído, por que voltas
e és tão real assim tão ilusório?
Já nem distingo mais se és sombra
ou sombra sempre foste, e nossa história
invenção de livro soletrado
sob pestanas sonolentas.
Terei um dia conhecido
teu vero corpo como hoje o sei
de enlaçar o vapor como se enlaça
uma idéia platônica no espaço?
O desejo perdura em ti, que já não és,
querida ausente, a perseguir-me, suave?
Nunca pensei que os mortos
o mesmo ardor tivessem de outros dias
e no-lo transmitissem com chupadas
de fogo aceso e gelo matizados.
Tua visita ardente me consola.
Tua visita ardente me desola.
Tua visita, apenas uma esmola.
IMAGEM:
foto de Shomei Tomatsu
da Exposição "Skin of the nation"
no San Francisco Museum of Modern Art,
no sítio corcoran.org

quinta-feira, 5 de outubro de 2006

Le revê d'Yadwiglia


Yadwiglia dans un beau revê
s'étant endormie doucement
entendait les sons d'une musette
dont jouait un charmeur bien pensant.
Pendant que la lune reflète
sur les fleurs, les arbres verdoyants,
les fauves serpents prêntent l'oreille
aux airs gais de l'instrument.
Poema e pintura
de
Henri-Julien Félix Rousseau
Consulta:

domingo, 24 de setembro de 2006

Sur le rêve, l'illusion y prudence, chez...


IMAGEM:
Foto Digital de Floriana Barbu
no photo.net,
via refletsdecristal.blogspirit.com
Visite

A caminho do tricentésimo sexagésimo grau...



EPÍGRAFE
"O amor é sentimento
dos seres imperfeitos,
pois que a função do amor
é levar o ser humano à perfeição"
ARISTÓTELES DA MACEDÔNIA
Vou amando você
nestes dias que antecedem
o que todos sabem;
virá a máquina motriz
até ao meio da gare.
E, num abrir-fechar-e-partir
repetindo movimentos
refazendo trajetórias,
o despercebido óbvio
o, de sempre, ordinário
a intrometida surpresa
a bem-vinda novidade,
irá desembarcá-los
rigorosamente
cumprindo o mesmo horário.
No entra-e-sai deste ir, voltar
cria o solo rochas, e o magma;
uns ficam, uns seguem viagem
do terminal ferroviário
ao amplo do possivelmente.
Amo, quiça mais três dias
enquanto está dormindo o gato
e ao fogo ferve-se a água
e remendo alguns estragos
e alinho fantasias, umas palavras;
logo depois, sem trancar
memórias, portas e malas
vestindo branco na blusa
no cimo da testa, na saia ,
chegada à estação
tomado o meu assento
hei de ser levada
pelo trem dos transitórios
ao norte, à casa sua,
como tínhamos combinado.
NeyMaria Menezes
setembro 2006
IMAGEM:
do ensaio New experience of vision life
por Yoyce Tenesson

sexta-feira, 22 de setembro de 2006

'manhecer, um gosto...

Gosto do irromper dos princípios;
de tônus, instaurando-se o movente
do coração - ele se expande - ao
beber d'encantamentos; do abrir
dos cílios, ao toque do novo.
>*<
Gosto das horas primeiras.
>*<
Na sonolência da madrugada
se perpassa todo um sopro
que afague a aurora, que semeie os aromas
de embrião, fonte, rebroto...
>*<
Gosto dos plantios de primavera.
>*<
Do teu cheiro, vazando gota a gota
pelas veias - recende - em meio ao sono;
e vem logo após ao êxtase, nosso encontro.
Perenidade, depois do gozo.
>*<
NeyMaria Menezes
setembro 2006
IMAGEM:
Quadro de Roberto Liang

domingo, 17 de setembro de 2006

A*VIV[a]lua*nas*brumas


A VIV[a]luanasbrumas, originally uploaded by neymaria.

Era A VIV[A]Lua*nas*brumas...

Dedicado à Veridiana




Se a hora chama-se
por: noturna,
mas o olho, todo ele
- por inteiro -
não se fez dormente,
por instantes
- exatos - em que a face
cheia reflete
o alvo puro da prata,
e vêm junto
desvelando-se - nascem -
cintilantes,
do mistério vazado
- pelos poros -
coloridos nevoeiros
desprendidos
da pele, do mais fundo
- das funduras -
do rosto, corpo, âmago;
aí então...
poderia ser lua em úmida
noite escura.


NeyMaria Menezes
2006

quinta-feira, 14 de setembro de 2006

Sur la métamorphose...


"Le monde de l'art n'est pas un monde
d'immortalité
mais,
de la métamorphose"
ANDRÉ MALREAUX
Imagem:
Foto de CHEMA MADOZ,
no Guide des expositions paris-art.com
divulgada por cortesia da Galerie E.Woerdehoff

terça-feira, 12 de setembro de 2006

Adormecências...




Algumas noites são bem frias.
Vem a tremura
roxo na pele
contrai-se o peito
se desfalece.
O amor não morre.
Algumas vezes,
ele adormece.
Algumas tardes são mais tristes.
Se há neblina
missa de exéquias
ou seca-se o oásis
o encanto quebra.
O amor não morre.
Vela-se em trevas
vira saudade.
NeyMaria Menezes
setembro de 2006
IMAGEM:
Foto de José Julian Martí Monteiro

domingo, 10 de setembro de 2006

A poda de inverno, finda a primavera...


Desda noite de ontem, seis e cinco,
é só punhado de umas poucas cinzas,
à espera da língua do vento,
um galho, que era verdolengo ainda
quando pego, término de setembro,
amanhecida a flor primeira;
a que viera explêndida, simbólica
e desabrochara violácea
- na pêncil ramagem da primavera -
em tonalidade presságio.


NeyMaria Menezes

maio de 2006

IMAGEM:

de Ralph Gibson

Foto de divulgação da exposição

Photo Americaine, no galeriechateaud'eau.org

Sem vento, na calmaria...


Hoje soube.
Você não vem.
Nunca; sempre.

Não atracou o nosso veleiro.



Nem cheguei a batizá-lo
com muitas águas-ardentes
- nascido o sol - e antes da
descida areia 'té o sal;
não foi buscada sua carta
de mestre-arrais, patrão
de barco, homem do mar.

Nunca se largou aos ventos.

Não preenchemos, inteira,
uma tarjeta de apostas,
das que corriam
- próximo sábado -
ao meio-dia.
hoje, sempre;

nenhum porto viu-lhe a proa.



NeyMaria Menezes
São Paulo, junho de 2006

IMAGEM:
Foto por Noémi [gypsygrrrl]
no flickr.com/photos/gypsygrrrl/112294975







METAMORPHOSE: A BRANCA BORBOLETA SOBRE A PEDRA NUA


LAYOUT
DE
ANA CAROLINA
IMAGEM
DE
JI KRABOUILLE
TEXTO
DE
NEYMARIA MENEZES

Vivências...


Ao sol de cada levante
aquece-se o muito esperado.

Acorda e bebe do orvalho
sobre as folhas, e ocos de
taquaras;

viaja as léguas da solidão
pelas trilhas, seja dia ou vasta sombra...

dança a canção dos ventos,
e colhe
os mais delirantes trinados
das teclas, já gastas, do miocárdio.

Mastiga o pão dos meus trabalhos
regando-me, generosamente,
ao tempo da estiagem.



NeyMaria Menezes
São Paulo, agosto de 2006

IMAGEM:
"A flame in the dark"
de Tarique Sani
no photolog http://se.nsuo.us/
via bookmarks-Yahoo




sábado, 9 de setembro de 2006

Um dia, para querências...


Foi num dia destes
quando deitou o olho
sobre o silêncio.
Havia, do outro
lado, um barco
o lago e o louco.
E quiz muito;
e sonhou tanto
bordou três lenços
assou o pão, bolos
cantarolando
até, por fim,
dar-se a seus termos
aquele outono
- foi o sinal - diz-me
folhas em queda
fez-se tão bela
vestindo névoas
que tornou-se
igual ao feliz.
NeyMaria Menezes
São Paulo, setembro de 2006
IMAGEM:
"Summertime,Chain lake"
de Berth Stringer Lee
[1869 - 1937]

Notícias, na manhã...





Viestes; eram tardias aquelas horas.
Chegaram antes à minha janela,
os pombos, postaram-se à gelosia
do mesmo sonho, nem tinhas descido
ainda a montanha, quando - mensageiros -
cada qual em tom mais brando, cantaram
notas, as melodias novidadeiras:
Eis que há de vir, eis que nos virá.
É a mão que atravessou o ermo no dorso
da tempestade, segura nas rédeas
e nas trovoadas, a que nos trará
o sal pra terra, hino pras auroras
o capítulo final da estória
o tapete pra voar; também trará
os frêmitos do que não deve ser
deixado ao relento, todos guardados
ali dentro, no cofre de cristal.
E nesse berço é donde teu nome
luminoso e d'esmeralda, encontra-se
por zelar de um pequenino rebanho
de fragmentos, sendo-lhe o seu pastor:
d'uma pluma
a que galga a coluna vertebral
d'uma flor
bem alva, a que viceja ao luar
d'uma linha
em zig-zag, de passadas pela praia
da leveza perfumada do amor.
NeyMaria Menezes
SãoPaulo, setembro de 2006
IMAGEM:
"Dama da noite"
de Gilberto SantaRosa
no flickr.com/photos/santarosa/sets/422324

sexta-feira, 21 de julho de 2006

domingo, 16 de julho de 2006

A borboleta e a pedra; as visitantes




A borboleta e a pedra;
as visitantes



Vêm assim
pela orla
pelas cercanias da jornada.

Na abertura da luz
a que faz rendas
pondo sombras de samambaia
sobre a brancura do reboco
e pingos de ouro
nos bordos das cabeças,
ao tempo em que descobre
os montes, tirando-lhes o capuz.
Nela
é que me chega:
trazendo novos seus trajes de menina
tilintos nas pulseiras
um colorido no rosto
frescor no sorriso. É tão benvinda.

E alvas aromáticas
coroam as hastes da dracena.
Esta é a fronteira matutina, as primícias do dia.
Uma água de cheiro, adocicada,
arrodeia a dama sua, das pétalas à corola;
alvíssima.
E é a franja noturna, esta que inicia a ronda da lua.

Quando, tímida, lume a alvura
a que torna serena
a melancolia da Vênus/estrela
e abriga, em quietude, pássaros
e pipilos;
à lucilente, nela, a companheira
- vêmo-nos sempre -
vestida de recolhimento
tranqüila e sem adornos, num mover macio
achega-se; dá-me seu braço
a conhecida minha. Leva-me até ao sítio
do silêncio.

Ouço-as, ambas as cantigas, essas visitas.
Só da voz, deixam prova fugidia,
e esforço-me.
Tento revê-las
em contornos
na beleza das formas
reter delas
o instante, matizes todos
dessa fulgurância melódica e efêmera.
Tento loucas metamorfoses.
Moldá-las nas fôrmas das letras
tatuá-las na memória
assentar a clara formosura,
d'uma branca borboleta pousada sobre pedra,
em meio à paisagem crua.


NeyMaria Menezes
2006

Imagem: "Papillon"
de Ji Krabouille,
no jikrabouille.info/blog





















"Petit Ballet", de RAQUEL SANTANA, sobre a Quasar Cia de Dança, no Flickr

















Fazendo

o

caminho...