sexta-feira, 15 de outubro de 2010

ELEGIA DAS ÁGUAS NEGRAS para CHE GUEVARA

ERNESTO "CHE' GUEVARA
foto de Alberto Diaz Gutierrez, conhecido como Alberto Korda,
datada de 5 de março de 1960 - no www.wikipédia.org




ELEGIA DAS ÁGUAS NEGRAS
para CHE GUEVARA
*
Eugénio de Andrade
 
 
Atado ao silêncio, o coração ainda
pesado de amor, jazes de perfil,
escutando, por assim dizer, as águas
negras da nossa aflição.

Pálidas vozes em prado procuram
O potro mais livre, a palmeira
mais alta sobre o lago, o barco talvez
Ou o mel entornado da nossa alegria.

Olhos apertados pelo medo
aguardam na noite o sol do meio-dia,
a face viva do sol onde cresces,
onde te confundes com os ramos
de sangue do verão ou o rumor
dos pés brancos da chuva nas areias.

A palavra, como tu dizias, chega
húmida dos bosques: temos que semeá-la;
chega húmida da terra: temos que defendê-la;
chega com as andorinhas
que a beberam sílaba a sílaba na tua boca.

Cada palavra tua é um homem de pé;
cada palavra tua
faz do orvalho uma faca,
faz do ódio um vinho inocente
para bebermos contigo
no coração em redor do fogo.


 
 
em Poemas a Guevara
ed. Limiar - 1976
Ernesto Guevara
 (14-06-1928 * 9-10-1967)