segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

CLARO/ESCURO


Imagem: David Hamilton




CLARO ESCURO
 
Define um halo
sedoso
a vela
no arco da noite;
com doce suavidade,
lumina as trevas
a carne
no meio do cômodo;
no corpo moço
recuam ao púbis
as sombras nuas.
A escuridão é macia.
 
*
Santana de Parnaíba
outubro 2012
Ney Maria Menezes
 

quarta-feira, 18 de julho de 2012

DESEMBRENHAR



*
Foto de Sol Casal

*


DESEMBRENHAR
Para que comece,
o chamo. Nomeio
com o primeiro vocábulo
 que aparece-me
parecendo-se com ele;
faísca o invocado e
guia o peneirar do que, no é,
não deve estar.
Começo; ainda nem tenho 
 por certo aquilo que penso,
mas eu salto
para o nome, o suposto,
 e ponho-me em risco
pensa pelo fio 
tensionado polo a polo,
da ponta do meu faro até
a cara por detrás desse aposto,
e movo-me de rastos
se pressentir
 que lho surpreendo.
Preparo
a subida do pano
sem pressa.
Preparo
os limites do corpo
a cada um dos lampejos.
Preparo-me.
É o parto e,
então, algo 
que eu disser,
poderá me surpreender.
**

quinta-feira, 3 de maio de 2012


*
Imagem: de Joanna Chrobak



CIRCUNAVEGAR-SE
 
 
Lá atrás, o tempo.
Para que passes,
um chão te fazem
 os antepassados;
 
assim, a vida,
o conhecido,
os reinventarás
em teu caminho.
 
Devendo tu outras
voltas á terra,
tens, ao velâmem,
de traçar rotas.
 
Presta-te o véu;
precisa, tem
que dizer-te
 a direção do vento.
 
Lá atrás, a voz;
um tino avoengo
que te reveste
e dá destino: ir,
 
em frente ir, até que
por fim te surja,
qual mesmo
lugar de sempre,
um cais.
 
Aí onde lá fora,
a ti, não mais
seja surpresa,
das velas rotas
desembarcar.
 
 Ao osso o repouso,
 ao tempo um termo;
apeia-te aqui,
é hora.
 
*
 
Santana de Parnaíba
novembro 2011
NeyMaria Menezes
*

quarta-feira, 2 de maio de 2012


*Imagem de Van Gohg (fragmento)



*
DESVALIA
Bem lá em cima,
o silêncio da montanha,
o espanta uma ventania;
nada
o livra dos gritos
de galhos órfãos de caule,
dos gemidos
de ninhos por queda bruta,
e nem o guarda ante
o capim que zune
ao corte da lufa.
*
Santana de Parnaíba
outubro2011
NeyMaria Menezes

terça-feira, 1 de maio de 2012



*
Cacilda Becker em cena de "A dama das Camélias"
foto de Fredi Kleemann via www.imaginariopoetico.com.br




* 
 
CONTAR COMO PASSA O TEMPO
 
 
 
As horas, como se sabe,
elas correm;
desde que penumbre,
entre o chão
e o telhado,
por volta das seis da tarde,
elas correm
pelo dentro do negrume
afim de oferecer
 à madrugada um começo;
daí, então,
lerdas quanto quietas,
deixam ao galo o cantar,
a cada remate 
de sessenta passos 
do tempo, até 
que tome cores a aurora;
daí depois, ele,
dono do alto galho,
desce e deixa
que proclame o sino,
ao seu toque sexto,
um dia novo.
 
**
 
 
Santana de Parnaíba
novembro 2011
NeyMaria Menezes
*

terça-feira, 17 de abril de 2012

PARA A ESCRITURA

*
Imagem: via página de Verónica Angélica no facebook



*
A ferida,
várias vezes
em que esfole e se perfure
são precisas
a que se escancare,
se abra sem remédio,
e vase e escavaque
a memória,
posto que, à mostra
sob o sol
sem ter parte
com descanso,
aumenta o peso ao pescoço
e, intermitente,
chora o sangue
que escritura a sua história,
enquanto não vem
a noite que encobre
pensamentos
e contornos.

Sendo nada além
que algumas gotas a mais
em meio ao escuro,
se diluem
entre fontes,
pequenas cascatas
e outras
excreções do cotidiano;
só então rumam para o rio,
para o esgoto,
 para o fundo, como tudo
que desce mais denso
que as vagas do oceano.

*
Santana de Parnaíba
17 de abril 2012
                                                                   NeyMaria Menezes

segunda-feira, 16 de abril de 2012

E PODE SER MAIS RUIDOSA A SOLITUDE

*
Imagem: de Weiss Wojciech

*
E PODE SER
MAIS RUIDOSA A SOLITUDE


É verdade, houve
 uma vez
e houve a última;
nelas
embaçou-se o olhar
com a lágrima
de um romance que
- já os excessos
     expirados  -
 na ordem do que ocorre,
mais outra manhã
e não acordaria.
 Limpo, nunca mais
molhou-se o olho
só por si
mesmo. Não podia.
Deu-se que, agora
seco, a dor via
e via como
ela
tantos donos tinha,
como dela,
golfando ou
engolindo,
tantos, revoltados
ou abatidos,
que se contorciam;
aí, ao choque,
no silêncio
 estancou-se o choro,
calou-se o ai. Contidos,
 dos dois tirou-lhes
 a mão, fria
 até então, o  tempo
e o lugar.
 Sem o menor ruído,
calor e
calos
a cobriram.

*
Santana de Parnaíba
16 de abril 2012
NeyMaria Menezes

sábado, 31 de março de 2012

*
imagem via www.healthdoctrine.com

*
DO QUE ME COUBE

 Coube-me a casa,
onde há sobra
de espaço, onde há
camas e coisas de antes
lá no despejo;
 ficaram pais,
ficou irmão, como
  nomes  em documentos,
como a intuição
Caixa de texto: de que poderia a paz
ser um presente.

Frente ao que assim
se impôs, a paz
 - quis crer – também
 seria deitar,
 recolhido entre
 doze dobras da noite
  e o fim do tempo, só,
  em benéfica falta
de cores, comoções
ou movimentos.

Vou conservando
a minha crença
 recolhendo a mim mesma
à sombra
 que não tem chave,
não abre  janela,
e falo apenas
por signos mudos,
para não se ir
a calma,
nem despertar
nenhum
agudo grito.

Coube-me a pá
com que fazer descer
o pó até coser-se
às bordas a coberta,
até ater-se,
definitivamente,
tudo a seu termo.
*
Santana de Parnaíba
28/03/2012
NeyMaria Menezes

sábado, 10 de março de 2012

FACE, NÃO FATOS

*Imagem de Jarek Kubicki




Na fotografia
não identificada
só reconheci
o rosto e seu riso
na boca. A moça,
olhei  sem ter conta
de quantas olhadas,
ora bem de perto,
ora me inclinava,
mas nada mais saiu
lá de trás das sombras.
Enquanto negava-se
a palavra a vir
e ver-me,
sentia-me pisando
uma areia traiçoeira.
Eu, que escrevo
com lembranças,
via que perdida estava
para a escuridão
desse lapso
a recordação que descia
por ladeira abaixo
c’o nome do rosto,
os feitos da moça,
e junto também
se ia
um novo pedaço
daquilo que
me supunha ser.
*


Santana de Parnaíba
8 de março de 2012
NeyMaria Menezes

TARDE PARA ROMANCE

Imagem de Kaunau no 
darkview.deviantart,com




TARDE PARA ROMANCE

A chuva de fim de outono,
do mesmo modo que acalma
 seu pedaço do mundo
ao não sair Ana para o mercado,
nem ela, nem o ambulante
com barraca nas calçadas,
ao não piar o pássaro,
nem rir alto um grupo
de alunos despido
de agasalho,
 essa calma,
do mesmo modo que a chuva,
ao finar-se a tarde
esfria aquilo que ferve e
faz barulho
ou borbulha.
E termina mais um dia
sob a telha
em que a água, constante,
não espirra com ruído.
Não que seja triste,
melancólico somente.
Em silêncio,
onde a calma, permanente,
não arrepia a epiderme,
sob a telha
mais um romance termina.
Não que fique sempre
tudo triste...melancólico
talvez seja.
*

Santana de Parnaíba
24/02012
NeyMaria Menezes

domingo, 5 de fevereiro de 2012

CARA COROA

Imagem: foto de Mark Laita
via página The Modern&Contemporary Art no Facebook



Cara coroa

Onde o fraco
se acha o forte,
e a crueldade
se oferece;
a misericórdia
é uma velha
 voz
 frágil e
 frouxa.
*
Santana de Parnaíba
3/2/12
NeyMaria Menezes




domingo, 1 de janeiro de 2012

RENOVO

*
Imagem: "Menino e pássaros"
de Mario Gruber

*

RENOVO

D’entre
a metade nada 
e a metade noite
partiu a nave-mãe,
no primeiro
dia do mundo,
com destino
ao princípio.
Embarcados,
navegamos
em elipse
dentro dela,
nossa nau,
nossa terra,
atraídos que somos
pela estrela,
viajando cada ano,
através
da solidão cósmica,
com destino
ao começo.
Ali renascemos,
de novo risonhas
crianças.
*


Santana de Parnaíba
31 de dezembro de 2011
NeyMaria Menezes

PREDIÇÃO

*
Imagem: via Facebook_página de arte

*

PREDIÇÃO


Acabava de dar-me conta
que estavam esquecidos
os nomes dos dias e
 respondia
só a evocações de luz
ou sombra; assim foi
quando ontem começou:
dessa simplicidade mesmo
era que nascia-me
então,
em tais extremos,
o compasso da música
constante, única,
o mais das vezes
manando em calma,
dado o desaparecimento
do que poderia vir
sem avisar,
exceto o vento.
Sibilando pelo alto
essa tal arrelia,
então
de inopino - quer fosse triste,
fosse resignado – sumiam
o nômade, o bambo,
o segregado; entrementes,
nem sendo justa,
se alastrava a simplicidade
pedinte do pouco, do mínimo,
ou ao menos
chocalhos vazios e
paredes nuas.
A música,
ausentes metais e
madeiras,
o vento,
parâmetros
e prazos
ausentes,
previam-me a marcha
do grandioso silêncio.
*


Santana de Parnaíba
30 de dezembro de 2011
NeyMaria Menezes
*






Imagem via página de arte no FB