sábado, 26 de novembro de 2011

HOJE NÃO, MAS SIM

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Imagem:
foto de Oleg Duryagin

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O tédio é
a cela que em pé
a pôs o mesmo, o mesmo
olhar fixo
no ponto em que o agora
pousa quieto e cai
rápido
 imobilizado
no porão do eterno.
 
Se visto desse ângulo
o que há
é um (d)efeito de ótica,
um delírio
que joga a catinga
em cima da relva
ao redor d'olho d'água e
abafa os rumores
e as bolhas em rodopios
pelo centro da cisterna.
 
Sendo assim,
nesse panorama mudo 
como oculto
de uma chaga gangrenada,
ao tão surdo
como cego
pela cascarra ilusória,
não que não
doa de fato,
mas por isso
urge o suor, o cuspe, 
o vômito, o tremor
convulsivo
ou o corte cirúrgico,
tudo para, 
o cianótico por asfixia,
 portão a fora
colocá-lo e, em seguida,
 imolar em rito purgatório.
 
Hoje não,
 mas sim logo mais,
então ir-se
para a sombra
da primeira infância
e a partir daí, dela
 emprestada, só viver
com essa memória
de efêmeros flashes
até que
ceda a febre,
colha flores,
até o pôr de pé
reencontro com o mito
 fundador.
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Santana de Parnaíba
novembro2011
Ney Maria Menezes

 

domingo, 20 de novembro de 2011

PONTA À PONTA

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Sobe o mar,
sobe se indo longe
 ao ponto de até
no céu entrar.
Dorme o barco
na ponta de lá.
 
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Santana de Parnaíba
novembro2011
NeyMaria Menezes
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CONTAR COMO PASSA O TEMPO

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CONTAR COMO PASSA O TEMPO
 
As horas, como se sabe,
elas correm;
desde que penumbre
entre o chão
e o telhado,
por volta das seis da tarde
elas correm pelo dentro
do negrume afim de oferecerem
 à madrugada um começo;
daí depois,
quietas, deixam
ao galo o cantar a cada 
 sessenta passos do tempo,
até que tome cores a aurora;
então, ele, dono do alto galho,
desce e deixa
para o sino
proclamar, ao sexto toque,
um dia novo.
 
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Santana de Parnaíba
novembro 2011
NeyMaria Menezes
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quarta-feira, 16 de novembro de 2011

REPETINDO O PROVISÓRIO

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Imagem: cena de ArquivoX_série de TV

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REPETINDO O PROVISÓRIO
 
A esquina, ao vira-la,
se encontrando as vistas
com as costas - mais a frente -
de um vestido,
 vinho ou roxo,
ao lado levando mala,
casaco e
um livro de bolso,
dali sendo
próxima
a moderna rodoviária,
sabe-se,
outra vez se está
deixando a cidade,
e quiça isto
dissesse que ficaria
hoje alguém sem companhia,
que um à menos
iria amanhã à escola,
ao cinema, ao trabalho,
ou quiça, sempre não iria.
Prosaico, não fosse
o incômodo sentimento
de hora da despedida,
o gosto, de novo,
de infinda distância.
 
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Santana de Parnaíva
novembro 2011
NeyMaria Menezes
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domingo, 13 de novembro de 2011

PIER PAOLO PASOLINI, TU...

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Pier Paolo Pasolini_autoretrato

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PIER PAOLO PASOLINI, TU
...eras um bebê
quando destes o primeiro
dos teus berros,
destes começo ao teu choro,
deram causa ao teu ódio.
Pier
te foi nome,
uma pedra
te foi rosto.Escavaram-na
um a um de teus dias,
entretanto Paolo,
teus olhos permaneceram
pequeninas crianças
 circundadas de feridas
e, por conta mesmo disto,
 percebiam
"a idade dos pirilâmpos"
naqueles que contavam
mais com o vizinho
do que contavam as moedas.
Tuas chagas berrando
 pelas fitas cinematográficas
protagonizavam
a testemunha que aponta
para a espora odiosa
escarnando
um vencido por miséria,
um dorso domesticado,
um franzino de nascença.
Fosse eu atrás da câmera
tu serias
o adolescente a passeio
pelo campo,
vestirias um traje claro
e teu bebê levarias nos braços
para que não mais chorasses,
embora, soldado,
fosses poeta.
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Santana de Parnaíba
novembro 2011
NeyMaria Menezes

O POEMA INCLINADO

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Imagem:
foto de Malcolm, Hats Off Gentlrman It's Adequate

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Inclina-se
para o centro do campo
- só mais um pouco
e era em verdade branco -
e torna-se
uma escala de pétulas
caída à esquerda do que olha
e, enquanto sereno olha, começa
 a mover-se
em ondas sonoras o poema
vindo desd'o alto
através das dessemelhanças
- góticas curvas,
ora elípticas desconexas -
essas que se erguem
como flores no espaço e que
na harmonia submergem.
Abraça a rama
e desce, passo a passo
a modelar a boca
para que sorva
a pacífica glória visionada
a tal ponto que, daí,
seus versos possam refletir
 mesmo até os botões entreabertos.
 
**
 
Santana de Parnaíba
novembro de 2011
NeyMaria Menezes
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quarta-feira, 9 de novembro de 2011

RE(DES)APARECER

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paisagem-wallpaper

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RE(DES)APARECER
 
Todo dia
não acontece,
todavia,
escorrendo a chuva
da curva da nuvem
pura cinza,
se some ela
pela claridade
e o sol nasce
contra o cair da tarde.
 
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Santana de Parnaíba
novembro2011
NeyMaria Menezes



HAIKAI_INVERNO LONGE DO TRÓPICO

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Imagem: de Ilona Welman
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Apenas a pressa
corta o silencioso branco
- dói o frio na garganta.
 
 
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Santana de Parnaíba
outubro 2011
Ney Maria Menezes

domingo, 30 de outubro de 2011

PARA O AMIGO

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Imagem: pintura de Ans Markus

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Amigo
gostaria agora
de falar-te...
digo melhor,
exatamente
não agora,
desde mais dias,
pedindo,
me vinha ao peito
uma ternura...
no entanto,
 
todavia...som
ou letra alguma
a traduzia.
 
Deixa-me agora
contar o que,
 em mim, pulsava;
dores, eu e tu
e nós delas sabemos
como as suas garras
nos despedaçam.
Fica isto por escrito e,
 sem mais comenta-las,
vou ao sentimento:
uma alegria,
apesar do sangue na faca;
 e a despeito de que pareça,
 
todavia, não é incongruência.
A linguagem permite
nela se desdobrar
o tempo;
ontem te oferecia
 menos do que mereces,
hoje me alegro,
pois estais liberto;
germina agora
o merecido,
então me alegro
pois amanhã
te alcaçará
a tua alegria!
 
 
Santana de Parnaíba
outubro 2011
Ney Maria Menezes



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A RAIVA É SANGUINIA, O ÓDIO BILIOSO

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Imagem: de Malcolm T. Liepke
na página Open Art do Facebook

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Vem rápida
a raiva,
ataca,
apanha,
defende
o quanto pode;
finda a contenda
vai embora.
Quem chega e fica
se´chama
ódio, o que no escuro
se agacha;
espreita e espera.
Bebe só da vingança.
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Santana de Parnaíba
outubro 2011
Ney Maria Menezes
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sexta-feira, 28 de outubro de 2011

INCANDESCÊNCIA

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Imagem:
Peregrina Heathcode

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INCANDESCÊNCIA
 
 
Queda pasmo um olhar!
A íris dilata-se,
pára o globo e
estreitam-se as aletas
...se faz  faltar o fôlego
aah...mas do fundo,
necessário, chega o ar
como suspiro,
caminha,
quente ainda,
como sussurro
que abrasa a boca,
um novo fluxo,
apimentando a língua
na urgência do convite
ah...vem
... e vibra o tímpano
com o cicio,
pelos se encrespam,
perspassa as vértebras
uma corrente elétrica
...no avêsso do tecido
arranham-se os mamilos;
ardendo
lambem-se e dançam
duas flamas que crepitam.
*
Santana de Parnaiba
outubro 2011
NeyMaria Menezes

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

ETERNO O RETORNO

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Tributo a Frida Kahlo II
de Tanya Gramatikova

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A lua minguando e,
ao tempo do novilúnio,
de velhos, murchando os óvulos,
pode
nesta treva nova,
 vagaroso,
com seu novo corpo
um tenro fruto preencher a cova 
- a que enchia o teu ventre outrora -
avolumando esta carne,
antes, carne viva
   entre as tuas víceras jovens. 
 
*
Santana de Parnaíba
outubro 2011
NeyMaria Menezes

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

LEGADO

*
Gif por Jamie Beck

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LEGADO
 
Hay que endurecer
pero sin perder la ternura jamás!
Ernesto "Che" Guevara
 
 
Hay que endurecer
a pele
para que ela suporte
a chuva fria,
o chão de pedra
e a rajada de balas
 dentro da mata
ou serra a cima,
pero sin perder la ternura,
pois será a paga
o povo livre de cabresto;
sim, a palavra,
hay que endurecer
para confrontar o injusto
senhor de quase tudo,
pero sin perder la ternura,
pois, mesmo assim,
ele é parte das gentes;
hay que endurecer
se correrem as lágrimas 
do mercador de vidas
pero sin perderl a ternura
pelas meninas que se vendem
nas ruas
pois, bem mais que rameiras,
elas são vítimas;
hay que endurecer
diante do lobo
pero sin perder la ternura
pelo cordeiro
 jamás!
*
 
NeyMaeia Menezes
Santana de Parnaíba
outubro de 2011
no 44º ano da morte de Che Guevara



quarta-feira, 5 de outubro de 2011

ALBUM DE FIGURINHAS



*
Imagem: pintura de Meirion Alan Ginsberg

*

Qual em álbum de figurinhas,
como ali, tanto faz
 seja uma ou dez
que faltem
a igual modo não estaria inteiro,
 de todo jeito lhe dói o défice.
 
*
 
Santana de Parnaíba
setembro2011
NeyMaria Menezes
 *

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

SóliVREtude

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Foto de Graça Loureiro no sítio olhares.com

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Quanto mais livre a estrada,
tanto mais solitária há de estar.
 
 
 
 
 
Não há referencial,
destinação
nem cabo telefônico
no alto da solidão;
por lá
o empenho ou a dívida
e o compromisso
jamais são vistos.
Sem préstimo,
sem fôlego
- mas sem prazo e
sem roupa -
envolto no sóbrio silêncio
das rosas definhadas
pode o indivíduo,
neste ermo,
ouvir o apelo do vazio
escancarado
entre os pontos cardeais
e se render ao surdo som
do corpo
solto no ar rarefeito.

*
Santana de Parnaíba
28/09/2011
NeyMaria Menezes
 

terça-feira, 27 de setembro de 2011

LENDA DA PRIMAVERA

*
Imagem: Porcelain doll  de David Locke

*
Por sobre a terra
a flor e a moça amanhecem;
 Perséfone acorda.
 
*
 
Santana de Parnaíba
25/9/2011
NeyMaria Menezes

DE_CRESCER

*
Imagem: The woods red de David Stoupakis

*


Ontem me fiz "grande";
 agora faço de conta
que sou ainda uma criança.
*
 
Santana de Parnaíba
 - 25/9/2011 -
NeyMaria Menezes

domingo, 11 de setembro de 2011

BREVE OBSERVAÇÃO DO VISTO DE OUTRO LUGAR

*
Imagem: de H.Koppdelaney

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YANUS:
Haikai para um deus romano
 
 
Na junção das frontes
homemulher, Yanus; grão e olho
guia ele à luz e ao luto.
 
 
 
 
 
Do ponto de vista
da portada
há um chão incalculável,
paredes adentro
e degraus a fora,
 que talvez se acabe apenas
ao se tornar amanhã a negrura
rente à linha d'água.
 
Uns tantos passos depois
e, na perspectiva
 do galho curvado
sobre a murada do horto,
o hoje, posto em medidas,
cabe muito bem
entre acolá e aqui,
cerce ao ocaso,
aqui em cima da linha do fim.
 
 
*
NeyMaria Menezes
Santana de Parnaíba
setembro 2011
*
 

terça-feira, 26 de julho de 2011

I - PREMONIÇÃO II - CONTRAPOSIÇÃO





*
Imagem: Festa de San Fermin_Pamplona-Espanha
poster de 2008 via www.arxxiduc.wordpress.com

*

Premomição -I
 
À necessidade
contrapõe-se a fortuna;
o impulso desejante surge ao acaso, imprevisível,
e opera de improviso,
então, o pré aviso,
o envia a precisão
 
 
Isto, o que é,
primeiro sente-se:
algo que esfria e
arde, arranca
e atulha
por toda a espinha
e mais o ventre,
um que escancara
do umbigo
à linha da anca,
um fio de corte
da nuca ao ânus,
e uma é
duas dentro da barriga
e dorso a fora;
e empalidesse.
 
Isto que sente-se
antes de abrir a porta
-  o fim do ferro
da faca afiada -
de único golpe,
pernas e fôlego,
os paralisa.
Pressentido, o que
prognóstico,
aprisiona porquê,
espremido, fica entre
o drama, ali adiante,
e o estremecer do solo.
*
 
 
Contraposição - II
 
 
En direção contária à vontade,
o fundo da rua sem saída.
 
 
Disto, fato é,
até porquê fatídico,
que o sangue venha,
seja a bote ou a óbice,
e pulse, inche
ou contraia, suba
e num só bote
escalde as veias
ou, como um óbice,
entumeça, estoure
e esvaia;
quer raia de corrida ou
briga em rinha, periga,
donde um é dois, 
se não e se fique 
e peleje. Diz-se:
viver é estar em risco.
 
Para um se (faz sentido),
desde um ou (sem/co_medimento),
oscila o pêndulo...
...até
que irrompa a raiva,
que um ou este,
o prosterne a impotência:
que se esfarele
ou dance em corda lassa.
 
À roleta, vermelho
ou preto.
 
Até
que vá à pugna a ofensa e
o seu queimor
faça dramática defesa
- a pés apoiados
em míseros milímetros -
em rédeas
o medo, o eu vacilo,
em mãos
 a convicção e a coragem,
sem rede,
periclitando,
se acaso for a chama
a escolha...
 
...ou até
que, ante a um mal
irredimível,
aí o ânimo decaia
em letargia
e, rendida a tragédia,
sua história resuma-se
a trama do destino
 e, contra
a penha da desgraça,
ao rebentar,
fendido, desconcerte-se,
assim, contudo
os nervos desconexos,
morto, viva, pois que uno
é duo...
 
...até que, pó, 
suma-se no deserto.
*


Santana de Parnaíba
1ª versão: 2008
revisão:
25 de julho de 2011
Ney Maria Menezes
 
 
 
 
 
 



sábado, 16 de julho de 2011

Da arte de levar em conta

                                                        Largo do Arouche, originally uploaded by Felipe Gobor.




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Mexe-se, simétrica e florida

em meio ao cinza
do concreto e do céu amanhecido,
a praça cortada
por rotas da rosa-dos-ventos,
piados de pardais
e os passos da pressa;
à caminho,
rumo a mais outro dia do contrato.
Ao apelo da multicor
abrigada nas barracas cheias de plantas
um olhar
vira à esquerda...
...no instante mesmo em que o alcança
a gentileza do gesto:
atravessavam a praça o cumprimento
e a oferta do ramo!
A marcha estanca, o riso
soa algo bobo, algo gago
o obrigada.
Vermelhas, a face
qual a flor.
*
1ª versão: São Paulo/2006
revisão: Santana de Parnaíba/2011
NeyMaria Menezes