quinta-feira, 18 de março de 2010

MOVENDO A MONTANHA

*
Arbol Gris
de P. Mondrian
Dedicado
às grandes árvores.

Na floresta,
ao susterem-se
vivas
- seus rijos troncos
sob as copas generosas -
abrigam,
nutrem,
sustentam
a vida.





Movendo a montanha;
de volta ao dia do princípio,
à contração, dos altos
do peito ao baixo
do ventre, tectônica e
disponível;
dilatando-se,
o olho,
assombrado expectante
de delícias;
o céu volve à terra:
em começo,
os atos de plantio. A montanha,
a comove,
o vindouro em que acredita.

Voltando, as mãos seguras
no convencimento:
como fora o despertar
à primeira maravilha,
surgirá,
brilhante no horizonte!



*
Ney Maria Menezes
Santana de Parnaíba










quarta-feira, 17 de março de 2010

TEMA

*
capa da revista Periférica



Quintais
Poemas de Rui Pires Cabral



Tema

Foram os quintais de dois invernos,
um desenho na janela para explicar
qualquer coisa sobre nós, qualquer coisa
terrivelmente alheia às palavras.

Pequenos alicerces do próprio tempo,
quem diria que os podíamos
apagar? Iam do princípio ao fim
dos meses, era onde se agarravam
os ramos brancos da casa.
*
Lido na revista Perifèrica
sítio:
*
Mural
de Aaron Noble
























terça-feira, 16 de março de 2010

DESCRIÇÃO DA GUERRA EM GUERNICA











Descrição da guerra em Guernica

Carlos de Oliveira




I
Entra pela janela
o anjo camponês;
com a terceira luz na mão;
minucioso, habituado
aos interiores de cereal,
aos utensílios
que dormem na fuligem;
os seus olhos rurais
não compreendem bem os símbolos
desta colheita: hélices,
motores furiosos;
e estende mais o braço; planta
no ar, como uma árvore,
a chama do candeeiro.
II
As outras duas luzes
são lisas, ofuscantes;
lembram a cal, o zinco branco
nas pedreiras;
ou nos umbrais
de cantaria aparelhada; bruscamente;
a arder; há o mesmo
branco na lâmpada do tecto;
o mesmo zinco
nas máquinas que voam
fabricando o incêndio; e assim,
por toda parte,
a mesma cal mecânica
vibra os seus cutelos.
III
Ao alto; à esquerda;
onde aparece
a linha da garganta,
a curva distendida como
o gráfico dum grito;
o som é impossível; impede-o pelo menos
o animal fumegante;
com o peso das patas, com os longos
músculos negros; sem esquecer
o sal silencioso
no outro coração:
por cima dele; inútil; a mão desta
mulher de joelhos
entre as pernas do touro.
IV
Em baixo, contra o chão
de tijolo queimado,
os fragmentos duma estátua;
ou o construtor da casa
já sem fio de prumo,
barro, sestas pobres? quem
tentou salvar o dia,
o seu resíduo
de gente e poucos bens? opor
à química da guerra,
aos reagentes dissolvendo
a construção, as traves,
este gládio,
esta palavra arcaica?
V
Mesa, madeira posta
próximo dos homens: pelo corte
da plaina,
a lixa ríspida,
a cera sobre o betume, os nós;
e dedos tacteando
as últimas rugosidades;
morosamente; com o amor
do carpinteiro ao objecto
que nasceu
para viver na casa;
no sítio destinado há muito;
como se fosse, quase,
uma criança da família.
VI
O pássaro; a sua anatomia
rápida; forma cheia de pressa,
que se condensa
apenas o bastante
para ser visível no céu,
sem o ferir;
modelo doutros voos: nuvens;
e vento leve, folhas;
agora, atônito, abra as asas
no deserto da mesa;
tenta gritar às falsas aves
que a morte é diferente:
cruzar o céu com a suavidade
dum rumor e sumir-se.
VII
Cavalo; reprodutor
de luz nos prados; quando
respira, os brônquios;
dois frêmitos de soro; exalam
essa névoa
que o primeiro sol transforma
numa crina trémula
sobre pastos e éguas; mas aqui
marcou-o o ferro
dos lavradores que o anjo ignora;
e endureceu-o de tal modo
que se entrega;
como as bestas bíblicas;
ao tétano, ao furor.
VIII
Outra mulher: o susto
a entrar no pesadelo;
oprime-a o ar; e cada passo
é apenas peso: seios
donde os mamilos pendem,
gotas duras
de leite e medo; quase pedras;
memória tropeçando
em árvores, parentes,
num descampado vagaroso;
e amor também:
espécie de peso que produz
por dentro da mulher
os mesmos passos densos.
IX
Casas desidratadas
no alto forno; e olhando-as,
momentos antes de ruírem,
o anjo desolado
pensa: entre detritos
sem nenhum cerne ou água,
como anunciar
outra vez o milagre das salas;
dos quartos; crescendo cisco
a cisco, filho a filho?
as máquinas estranhas,
os motores com sede, nem sequer
beberam o espírito das minhas casas;
evaporaram-no apenas.
X
O incêndio desce;
do canto superior direito;
sobre os sótãos,
os degraus das escadas
a oscilar;
hélices, vibrações, percutem os alicerces;
e o fogo, veloz agora, fende-os, desmorona
toda a arquitectura;
as paredes áridas desabam
mas o seu desenho
sobrevive no ar; sustém-no
a terceira mulher; a última; com os braços
erguidos; com o suor da estrela
tatuada na testa.


do livro
Entre duas memórias


poema lido no sítio:
Porto de Abrigo

GUERNICA


PABLO PICASSO















segunda-feira, 15 de março de 2010

fevereiro, quarta-feira: Passado Perfeito

imagem de Night Owl Creations
groups.google.com/group/wizardnightowl







O ato

terminado,



em tal instante morre o

fogo, junto ao que,

nele, todo se queimou.

As cinzas, só, os que os lembram:




pronto, pois

atingiram

o termo,

aquele passado

entra ao eterno,

completada

a consumição

que cessa o movimento

e, o fértil, o dispensa de criar;

posto que

tão perfeito quanto findo,

dá descanso ao gesto

de futuras providências.



No campo definitivo

apartam-se, o

medo

do finar

e o fim do

medo.
*
Ney Maria Menezes
Santana de Parnaíba