sábado, 15 de maio de 2010

O QUARTO BRANCO _ Charles Simic

 Foto de Dan Burkholder
*


*O QUARTO BRANCO




Tradução: Carlos Machado



O óbvio é difícil de

provar. Muitos preferem

o oculto. Eu também preferia.

Eu escutava as árvores.



Elas guardavam um segredo

que estavam prestes

a me revelar —

e não o fizeram.



Veio o verão. Cada árvore

de minha rua tinha sua própria

Xerazade. Minhas noites

faziam parte de suas histórias



selvagens. Entrávamos

em casas escuras,

casas sempre mais escuras,

silenciosas e abandonadas.



Havia alguém de olhos fechados

nos pisos superiores.

O medo e o fascínio me

mantinham bem desperto.



A verdade é nua e crua,

disse a mulher

que sempre se vestiu de branco.

Ela não saiu muito de seu quarto.



O sol apontava uma ou duas

coisas que tinham sobrevivido

intactas na longa noite.

As coisas mais simples,



difíceis em sua obviedade.

Essas não faziam barulho.

Era um dia do tipo

que as pessoas chamam "perfeito".



Deuses disfarçados de

grampos de cabelo, espelho de mão,

um pente com um dente faltando?

Não! Não era isso.



Apenas as coisas como são,

mudas, imóveis, sem piscar,

naquela luz brilhante —

e as árvores esperando a noite.



THE WHITE ROOM



The obvious is difficult

To prove. Many prefer

The hidden. I did, too.

I listened to the trees.



They had a secret

Which they were about to

Make known to me —

And then didn't.



Summer came. Each tree

On my street had its own

Scheherazade. My nights

Were a part of their wild



Storytelling. We were

Entering dark houses,

Always more dark houses,

Hushed and abandoned.



There was someone with eyes closed

On the upper floors.

The fear of it, and the wonder,

Kept me sleepless.



The truth is bald and cold,

Said the woman

Who always wore white.

She didn't leave her room much.



The sun pointed to one or two

Things that had survived

The long night intact.

The simplest things,



Difficult in their obviousness.

They made no noise.

It was the kind of day

People described as "perfect."



Gods disguising themselves

As black hairpins, a hand-mirror,

A comb with a tooth missing?

No! That wasn't it.



Just things as they are,

Unblinking, lying mute

In that bright light —

And the trees waiting for the night.



Poema lido em poesia.net










 Foto da série The White Room por Katherine Du Teil
 *



ÚTERO _ Plínio de Aguiar

  Image by Erick
 postada por Skip no sítio http://www.pixdaus.com/



ÚTERO




Para Mãe



Ainda te sinto, antiga dependência

Velho quarto com hálito de coisas

Flores murchas pisadas passadas

Quando os amigos flutuavam

Em minha trajetória.



Ainda te sinto, cubículo abandonado

Em plena viagem marítima pela tarde

Onde o sol banhava-se de sono.

Teu corpo era um só segredo

Revelado numa noite

Descontroladíssima.



Despertei com o ruído (quantas vezes?)

De teus sonhos. Tu me abrigavas

Teu teto me iluminava e teus pelos

Encerravam-se à sombra de possíveis

Chuvas, e outras coisas do tempo

Litoral.



Tuas mãos agitavam-se na limpeza

Contínua das paredes riscadas de projetos

E já antecipavas a viagem do mistério

Decifrado. Ainda te sinto, antigo quarto.

A porta, entreaberta, range ao sopro

Do idioma mal pronunciado.



(México, DF, 1977)

*
Poema lido no poema.net
http://www.algumapoesia.com/






 *

NAUFRÁGIO

  Foto de Mário Nogueira
 no sítio fotosemcharges.wordpress



*




Estavam agasalhados

no mesmo lenço e,

sem que possa

explicar -com precisão -

este fato,

os perdi, faz

algum tempo.


Estavam à mão esquerda e

sei, é certo,

tratava-se de sonhos, não mais

que isto, só casulos,

amanhã,

talvez, mariposas.



Através

das vértebras e

das semanas,

no entanto, entrepassados

pelos ossos

que volvem a cabeça até

o vindouro,

guiando as aves



de ida à terra,

desdo oceano,

mantinham-me eles - ao remo

e ao leme - no rumo. Próximo

aos recifes,

antes do porto, um raio ou

projétil metálico

- algo assim teria se dado -

quando vi, ao desfazer

da espuma, desfaziam-se

em pedaços.


*

NeyMariaMenezes

Santa de Parnaíba

2010



sexta-feira, 14 de maio de 2010

CANTARES DE PERDA E PREDILEÇÃO _ Hilda Hilst

    *The Crux - foto de Steven Kenny
*no sítio beinArt Surreal Art Collective
*




CANTARES*


DE

                                                  PERDA E PREDILEÇÃO



                                                          Hilda Hilst






Eu amo aquele que caminha

antes do meu passo

É Deus e resiste



Eu amo minha morada

a terra triste.

É sofrida e finita

e sobrevive



Eu amo o Homem-Luz

que há em mim.

É poeira e paixão

e acredita.

Amo-te, meu ódio-amor

Animal-Vida.

És caça e perseguidor

e recriaste a Poesia

na minha casa.


Trecho in Cantares de Perda e Predileção

São Paulo:Masao Ohno&M.Lydia Pires e Albuquerque Ed.,1983

Consultas,

e para saber mais:

site oficial de Hilda Hilst:

www.angelfire.com/ri/casadosol

PANTERA _ Rainer Maria Rilke

Colagem de:
cena do filme Memoirs of a gueisha
+ fotos da web



*




A PANTERA
(No Jardin des Plantes, Paris)
*

Rainer Maria Rilke




De tanto olhar as grades
seu olhar esmoreceu e nada mais aferra.
Como se houvesse só grades na terra:
grades, apenas grades para olhar.

A onda andante e flexível do seu vulto
em círculos concêntricos decresce,
dança de força em torno a um ponto oculto
no qual um grande impulso se arrefece.

De vez em quando o fecho da pupila
se abre em silêncio. Uma imagem,
então,
na tensa paz dos músculo se instila
para morrer no coração.


*

do livro
"Novos Poemas" - 1907
tradução de Augusto de Campos
in Coisas e anjos de Rilke - 2001
*
poema lido no sítio
www.algumapoesia.com.br
boletim poesia.net nº 50
17/12/2003

quinta-feira, 13 de maio de 2010

UMA DANÇA DE ESPADAS * Haroldo de Campos

Colagem:
composição em painel de
* dragão alado_imaged6
via aozoretenshi.blogspot
* dragões e lua_no anunico.com.br
* dragão e mar_via blog gabifaria

*



uma dança
de espadas

esta
escrita
delirante

lâminas cursivas

a lua
entre
dois dragões

com uma haste
de bambu
passar por entre lianas
sem desenredá-las

*

poesia lida no sítio

www.algumapoesia.com.brCarlos Machado


Haroldo de Campos• "uma dança de espadas"

In Signantia Quasi Coelum /

Signância Quase Céu Editora Perspectiva, São Paulo, 1979




Colagem: com edição de cores na imagem

"Lua entre dragões branco"

via fantasiemagic.blogspot.com

*












TEMPESTADE DE DENTES RAIVOSOS _ Haikai

colagem: painel
com grafite do evento Cans Graffiti
*



Sabem, lobo e anciã,
qual fim deu, ao cão sem teto,
a raiva incurável.



*
NeyMariaMenezes
2 de maio 2010
Santana de Parnaíba


Imagem: grafite

do evento Cans Graffiti, em Londres

- no sítio artdaily.org -




















VAGAROSA _ haikai

colagem: sobreposição/citação
de rosa azul no Allposter.com
e lua de Daniel do fotografando.blogger.com
*uso não comercial*

*
*'Vagarzinho, vai
se encolhendo atrás da lua,
a tarde de outono.


*
NeyMariaMenezes
Santana de Parnaíba
maio 2010



HAIKAI de KYORUKU

colagem de:
foto pessoal e
citação de foto de Andrey Oborin
*uso não comercial*
*






ASSIM COMO A VELA,
MERGULHADA NO SILÊNCIO,
A PEÔNIA
*

KYORUKU

*
poema lido no sítio
www.kakinet.com






[IN?]RAZOAVELMENTE ÀS CLARAS

Imagem de
www.lucyd.de/


*

Cuando la pena cae sobre mi
el mundo dejaya de existir
miro hasta atras y busco
entre mis recuerdos


1º verso da canção
"Mis Recuerdos"
composta por Luz Casal
- no sítio usuarios.multimania.es/ -






[in?]razoávelmente
às claras

*
Te amo,
relembro, ao repentino
disparo de um flash.
No momento,
até agora,
hoje, te amo, e
se isto, declarado,
assemelhar-se
ao trivial, ao demasiado
gasto, óbvio
a ponto de dever não
mais ser escutado,
de estar incluído, ao não,
o razoável para
esta idade e neste
tardio horário, entendo;
mas,
te amo
sem que me peje
pôr anúncio,
sabendo que anuncio o
déficit
em ciência e, na soledade,
o limite
do conforto.
Caríssima Sábia
Presença, te vivo.

Entre o braço e a vala,
uma dívida
é contraida.
Porque devo,
te amo?

Dependente,
devo o que me destes,
sinto,
devo-te
por lei religiosa,
por ordenança ética,
percebo... mas, afeição,
seria originária
da penhora,
fortificar-se-ia, único,
desse modo...

Nato, logo ao início,
precário, instável
enquanto projeto,
a carne, tendo-a já
prometida ao tempo,
como fossem,
as carnes, tributo entregue
à mesa de Cronos
- no passado, divindade
em exercício - desse único
modo,
se chega: logo de cara,
ficar sózinho
é o perigo.
Ao sol, a ele,
todavia, se chega,
e isto
porquê Outro
dá passagem
ao nascido, com
a gentileza que nada
cobra.


Entre o colo e a vala,
contrai-se
dívida e,
ao fiador,
não se alcança
pagá-la;
pela vida, em
troca,
tem-se apenas
- pálida palavra -
o obrigado
com que se assinala
aquele, ao qual,
se é reconhecido.

Te amo
porque, à isto,
enclinar-me-iam
minhas necessidades de viva?
A semicegueira,
que se remedia,
quando muito,
incontáveis
madrugadas apartadas
do verão, do sono
e do horizonte,
o carro quebrado
no meio do deserto, do jamais
conhecido...
dependente
outrora, a qualquer dia,
aprendiz,
não me nego,
e a ti, segura, retorno,
ao estranhar o chão
em que piso;
temores não faltam,
e um
reconhecimento,
estritamente, então,
seria, por
explícita incompletude?


Provisória, carne
corruptível,
teria escolha,
a fraqueza,
que não amar o arrimo,
fonte
da quente bebida...ah,
teria, será que...


Ao suster,
uma escora fura, se
espinhenta,
e destarte
sangra,
infécta, grangrena
e necrosa...
aleija ou
mata, a
má lembrança.

Amorosa
Bem Lembrada,
muito te quero, e não
à exclusiva causa
do tanto que
não tenho, compreendo
ou
não construo.
Carecida,
eu, sujeita
a conflitos,
finita e
sem nenhuma queixa,
sem crer seres
maga,
gigante ou
santa,
te quero; te vejo
boa,
qual te viam,
grande,
como antes te via,
sempre,
pura amiga,
Senhora. Ah, sim,
está em soma
um olhar pelo retrovisor
que me avista,
ainda rente à barra,
alá, em tuas saias,
grata, me agarrando
- eras a sólida terra -
porém, não por conta
só daquilo tudo,
te amo.


*
Santana de Parnaíba
maio,2010
NeyMariaMenezes