foto de Terry Palka no sítio
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"Sei que nada sei"
Sócrates,
citado por Platão
em "Apologia de Sócrates"
Perdi a fala.
Desci do ônibus
e não estava mais comigo,
pessoas, sim, somente
algumas; caladas,
elas todas.
Não custara muito caro,
não fora boa de tiro,
também, alto, não estivera,
seu kilate de ouro,
mesmo assim,
servira, ao precisar
pedir por socorro.
Uma locução,
deste modo menos esperado,
já deixou-se ficar para fora,
no pretério,
definido por termo antiquado.
Hora e meia se passara,
talvez sequer este tanto, e
surgiu, à quina da quadra
próxima,
um pé dáctilo:
- Ah, tão amada fora outrora -
e era inaugurante!
Com todo respeito,
apresentou-se um breve escunjuro,
e à batida na madeira,
ladeou a emoção metrificada,
o chiuuuu desnorteante
d'um pneu por cima da avenida,
na hora mesma em que passaram
o duo em delongas, provavelmente
encadeantes, e
o velho, cego pelo sol em eclipse.
Sem palavras
se perdera
o que seria, talvez, oportunidade
e dai, resultante,
não declamei aquilo,
escandindo
os quatro vocábulos.
Concomitante à este fato,
quando quiz
analizei possibilidades
e escrevi em verso branco ou
sem regra e sem ritmo;
quando decidi
comi o pão com a água
quando pude
conduzi experimentos de nado
através do mar aberto.
No lado que opunha-se
ao estuário, às barcaças e
novidades,
fizera-se falho um lote
de aparatos necessários:
pés,
vínculos,
articulações,
sinápses, memórias,
parte do senso de direção
completo, o programa de metas,
a única tabela do fuso horário.
Perdi minha
licença de condutora e,
concomitante a este fato,
foi-se, perplexo, o auto-translado,
quase de estimação e, ainda,
em razoável estado de uso;
interna, restou-me, 'trás a cortina,
a dracena perfumada.
De imprevisto,
um assombro,
na sequência, a incerteza,
depois, já antigo, o atrevimento;
assanhara-se, a teima,
à descoberta do quanto pode,
o pirilâmpo, lumiar a noite de lua nova.
Desavi-me com a paz da voz passiva,
perdi a dieta,
alguns dentes
e a crença em, eternas,
serem todas as verdades;
longe ficou, a terapia. Dia
seguinte, senti,
permanecia viva.
Saí
pela rede do trânsito urbano,
e segui o
andar d'ambulantes,
das almas silentes
dos transes agônicos ,
ciganas e setenta zunidos
em jogral - pombos, coletivos, transeuntes -
um carro de piqueteiros
apupado por cães e donos, donzeis
estupefatos, todo tipo
de vendedores, uns varredores
enchapelados com folhas de jornal,
clown em show, no saguão do palácio,
ao farol,
muitos malabares, um menino, ainda
respirando,
os vi, em carne, asfalto e concretude,
de inérteis, de semoventes,
isto tudo
passo à passo
capturado por
sortidos planos americanos,
zooms sucessivos, tomadas
sob a luz artificial,
e, reunido,
tudo isto compora
imponente cenário hodierno.
Então, o roteiro percorrido,
inclui-me em tal troupe,
se bem que à distância, e
fui aí neo-figurante,
com a cara e o peito sobre as pernas.
Perdi o medo,
concomitante à este fato,
de cruzar as vias
vestindo o veludo
de um excêntrico traje de teatro,
quando ensaiando a arte
do inesperado, se acaso
dispa a face,
a máscara inanimada.
Feita a transição,
parada à
extremidade, a outra
- pontas iniciáticas -
a perdi par' a miopia;
nenhuma paralela,
não também,
perpendiculares,
e, a saída, não tem rua.
Referências e
modas imitadas,
se confecções, se desfazem,
finda, a estação.
Sem a moça-do-tempo ou
previsão de chegada, sem óculos
e placas,
aposta o pescoço,
um logradouro, e inventa
o Guia da Cidade;
neste, o sentido de seu trâfego.
*
Ney Maria Menezes
abril de 2007
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