domingo, 4 de setembro de 2016




CHOVE

Conta-se isso quando ausentes
tem-se os olhos
desse ou dessa a quem se amostra
as palavras

Lava-se a densa copa e
a intrusiva relva ao fim
da árvore
na mesma hora

Limpa-se a rios o telheiro
o arruado
e, no corpo do cachorro
posto porta a fora, ruça crosta,
a igual tempo

Lima-se, pelo pescoço
alçada ao vento, essa alma
e, também, pedaço por pedaço,
esse sonho estilhaçado

Em quente abrigo
aguarda, unha e dente, a raiva,
uma que, por funda injúria, desata o ato;
à frio, remarca o rumo, retraça
quais são os passos

O esgoto tão a lá da borda,
boia acima a escória; pós procela
é nave agora a força da ruína.
No lodo o mais fraco afoga-se...

Lima-se. Limpa-se. Lava-se
o detrito, o podre, o fétido,
sem descanso.

Ser assim como a rija água
em peleja com a pedra cega.
Persistir e rebrotar.

Nem cabe aqui alguma
escolha, visto que largar-se
é não, mais outra vez, reviver.

Ney Maria Menezes
31 de agosto de 2016



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